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FIANÇA BANCÁRIA E SEGURO GARANTIA NA EXECUÇÃO FISCAL

No dia 20 de setembro de 2023 a Lei 14.689 foi promulgada, restabelecendo o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, dentre outros regramentos.

No dia 20 de setembro de 2023 a Lei 14.689 foi promulgada, restabelecendo o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, dentre outros regramentos. Mesmo sendo esse um tema caríssimo ao Direito Processual Tributário, o que será objeto do presente artigo é o dispositivo vetado pelo Presidente da República em exercício, que incluía no artigo 9º da Lei de Execuções Fiscais o § 7º, que assim dispunha:


“Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:


(…) II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;


(…) § 7º – As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada” [1].


Esse § 7º, aprovado pelo nosso Parlamento, findaria um dos principais conflitos atuais existentes em torno do tema das garantias ao cumprimento da obrigação tributária: (im)possibilidade de exigir a liquidação da garantia em face do terceiro (banco ou seguradora), enquanto pendente de trânsito em julgado os embargos à execução fiscal do devedor.


Quem defende a possibilidade desta prévia liquidação escora-se basicamente no argumento da ausência de previsão legal (ope legis) atribuindo efeito suspensivo automático aos embargos, ou ao recurso de apelação apresentado pelo devedor quando da improcedência dos seus embargos ou, ainda, aos recursos ofertados perante tribunais superiores.


Por outro lado, aqueles que defendem a impossibilidade desta prévia liquidação, buscam fundamento na equiparação destas garantias pessoais ou fidejussórias [2] (quando o terceiro garantidor é uma instituição financeira ou uma seguradora) ao depósito, estabelecida pelo Código de Processo Civil de 2015 (artigo 835, § 2º [3]), a ponto de permitir, sem qualquer oitiva prévia do credor ou autorização judicial, a substituição destas modalidades de garantia por mero requerimento do devedor (dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia e vice-versa).


Como na execução fiscal a garantia em dinheiro só pode ser levantada pelo credor depois do trânsito em julgado dos embargos (artigo 32, § 2º [4]), a equiparação trazida na legislação processual geral (aplicada subsidiariamente aos executivos fiscais, por força do artigo 1º, da Lei 6.830/80 [5]) justificaria o mesmo efeito para a fiança bancária e para o seguro garantia (liquidação apenas com o trânsito em julgado dos embargos).


Infelizmente, o referido § 7º foi vetado pelo Poder Executivo (e o Parlamento optou por não derrubar o veto) de maneira que perdurará a discussão em torno do tema e, por conseguinte, a insegurança jurídica àqueles que pretendem se valer desta modalidade de garantia fidejussória.


O veto deu-se pelos seguintes motivos: “…a impossibilidade de execução imediata dessas espécies de garantia fragilizaria o processo de cobrança, indo de encontro à jurisprudência nacional” [6].


Da motivação apresentada para o veto, começamos pela expressão “…indo de encontro à jurisprudência nacional.” O legislador tem liberdade para tanto, e essa é uma prática extremamente comum, alterar o suporte físico da lei para modificar a interpretação dada pelo Poder Judiciário e que não mais agrada a sociedade.


Tivemos fortemente essa busca no Código de Processo Civil de 2015, para mudar o sentido dado pelo Superior Tribunal de Justiça a regras processuais, como exemplifica a quantificação ínfima de honorários quando a Fazenda Pública era parte (o § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015 teve claramente a função de afastar o sentido atribuído, pelo Superior Tribunal de Justiça, ao § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973). O próprio Código Tributário Nacional foi alterado para modificar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto ao prazo para repetição de indébito nos lançamentos por homologação (chamada tese dos “5+5”), via regramento “interpretativo” trazido pela LC 118/2005 ao artigo 168.


Isso também ocorre em âmbito constitucional. Quantas emendas à Constituição foram aprovadas objetivando validar, doravante, algo tido por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (vide, dentre tantos exemplos, a Emenda Constitucional 33/2001 que permitiu a tributação de ICMS na importação por não contribuintes, afastando entendimento sumulado — Súmula 660 — da Suprema Corte).


Portanto, esse argumento jamais poderia ter sido invocado para vetar um dispositivo de lei. Até porque, não há um entendimento pacificado em nossos tribunais em torno do tema, sendo certo que o julgado repetitivo do Superior Tribunal de Justiça que trata do assunto [7] é anterior ao Código de Processo Civil de 2015, isto é, quando inexistia a legal equiparação do depósito a estas garantias pessoais (finança bancária e seguro garantia).

Tanto é assim que recentemente foi veiculado na mídia [8] que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o assunto, externou seu desconforto em relação à possibilidade de liquidação antecipada. Ao pedir vista no Agravo em Recurso Especial nº 2.310.912/MG o ministro Gurgel de Faria disse:


“O débito está devidamente garantido, o seguro é feito por instituição bancária sólida e não é barato. As empresas estão passando por momentos difíceis. Vou pedir vista para refletir melhor” [9].


Essa afirmação do ministro Gurgel de Faria, além de sinalizar a inexistência de posicionamento remansoso em torno do tema, revela a fragilidade do outro argumento apresentado no veto: “a impossibilidade de execução imediata dessas espécies de garantia fragilizaria o processo de cobrança”.


Como é possível dizer que uma cobrança garantida integralmente por um terceiro, que é uma instituição financeira ou seguradora, devidamente regulada para ofertar esse tipo de crédito ou seguro, dentro de condições rígidas estabelecidas pelos próprios credores [10], pode estar fragilizada tão somente pela impossibilidade de antecipar a sua liquidação?


Insista-se, a liquidação antecipada da garantia implica no depósito em juízo, pelo terceiro (Banco ou Seguradora), do valor correspondente ao débito, mas que não será convertido em renda em favor do credor enquanto pender de final julgamento os Embargos propostos pelo devedor (pela regra prevista no artigo 32, § 2º, da Lei de Execuções Fiscais; reforçado pelo Recurso Especial repetitivo 1.272.827/PE). Então, qual seria a efetividade, no processo de cobrança, em substituir a garantia (de fidejussória para dinheiro)?


Todo esse esforço fazendário em manter a liquidação antecipada tem um único motivo: o valor depositado em juízo (e que, portanto, ainda é mera garantia) nas execuções fiscais pode ser provisoriamente utilizado pelas Fazendas Públicas [11], entretanto, essa é uma questão orçamentária/financeira totalmente estranha ao processo de cobrança, em especial à sua efetividade, já que isso não desnatura ser, o dinheiro depositado, mera garantia, a trazer segurança ao credor, em altíssimo grau diante da sua liquidez, enquanto se discute a validade da exação.


Só que essa elevada liquidez também se faz presente na fiança bancária e no seguro garantia, tanto que o legislador processual geral (artigo 835, § 2º, Código de Processo Civil) permitiu que elas substituam o depósito, por mera vontade do devedor, ou, dito o mesmo de forma diversa, equiparou-as.


Esse é o ponto: mesmo sem a liquidação antecipada daquelas garantias pessoais, manter-se-á o crédito tributário em cobrança com garantia de altíssima liquidez, mormente porque inexiste informação de que uma instituição financeira, ou uma seguradora, instada a “pagar” o débito em juízo, deixou de fazê-lo [12]. Descabida, assim, a assertiva de que a impossibilidade de antecipar a liquidação da garantia pessoal fragilizaria o processo de cobrança.


Ademais, estamos diante de garantias contratadas (junto a bancos ou seguradoras), com custos significativos e outros reflexos (como impacto no rating bancário ou junto às seguradoras para novas contratações), só suportados por aqueles contribuintes que: (a) têm acesso a esse tipo de serviço (aquele devedor contumaz não o terá); e, principalmente, (b) acreditam que não devem e, portanto, custeiam garantia deste porte para discutir a validade do crédito tributário que lhes é exigido.


Esse texto não traz uma análise profunda em torno do tema, a evidenciar de forma mais robusta as razões para que o seguro garantia e a fiança bancária sejam equiparados ao depósito, nos mesmos moldes do que restou regrado em ambiente processual geral, calibrando o sentido das normas tributárias ou processuais tributárias existentes à luz do que está disposto no artigo 835, § 2º, do Código de Processo Civil [13]. De toda sorte, as breves linhas aqui traçadas demonstram que os motivos do veto ao § 7º, que seria inserido no artigo 9º da Lei das Execuções Fiscais, não são razoáveis.


Há forte expectativa de que o Superior Tribunal de Justiça interprete como descabida essa liquidação antecipada no executivo fiscal, com base nas regras já postas em nosso ordenamento, mas se tivéssemos isso também explicitado em lei, as chances desta discussão ser retomada cairiam drasticamente.


Diante da fragilidade dos argumentos motivadores do veto dado ao supracitado § 7º, uma boa oportunidade para revisitar o assunto será por meio do Projeto de Lei Federal 2.488/2022, que veicula uma nova Lei de Execuções Fiscais.


Há, em referido projeto de lei, regra determinando que a liquidação antecipada ocorra somente após decisão desfavorável ao contribuinte em sede recursal (apelação), afastando o problema da liquidação prévia em momentos processuais anteriores [14]. Há um avanço, mas não resolve a questão como um todo.


Em nossa opinião, em harmonia com a equiparação promovida pelo Código de Processo Civil entre estas modalidades de garantias e o depósito, deveríamos ter, no texto da projetada Lei de Execuções Fiscais, a expressa proibição de liquidação do seguro garantia ou da fiança bancária antes do trânsito em julgado de decisão desfavorável ao contribuinte em seus Embargos.



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